11 de outubro de 2006

Primeiros dias de aula - Sady Homrich



Deveria ser uma hora e vinte minutos da tarde da primeira segunda-feira de março de 1970. Eu me sentia tão importante que não queria andar puxado pela mão de minha mãe, pelo menos não no corredor térreo do Colégio Nossa Senhora das Dores - onde já havia estado várias vezes acompanhando a família nos churrascos, festas de São João, jogos e tantos outros eventos. Meus pais faziam parte da Associação de Pais e Mestres (APAMEDORES) e sempre participavam das programações extraclasse, pois meu irmão mais velho, o Bucky (Ricardo), já estava no 3º ginasial - turno da manhã.
Mas naquela tarde quente o protagonista era EU! Meu primeiro dia de aula. Qual seria o Irmão-Professor que teria a honra de me alfabetizar? Como seria aquela rotina impressionante de aprender coisas todos os dias, fazer filas por ordem de altura, sabatinas, recreios, merendas, educação física, semana da pátria, tema de casa, ter um guarda-chuva e quem sabe, um dia, escrever com caneta, ganhar mesada e a chave de casa! Tudo estava começando ali, naquele momento. Mas, enquanto minha mãe lia as listagens nas altas portas com vidros bisotês, eu parecia pressentir que aquele momento histórico de libertação seria acompanhado de algumas perdas. Assistia pasmo alguns colegas que resistiam bravamente à entrada na sala de aula, chorando compulsivamente e argumentando de forma ininteligível. Comecei a ponderar que poderia haver algo de ruim ali atrás daquela porta! Alguma coisa que pouquíssimas pessoas tinham conhecimento. Quando meu nome foi encontrado, eu já não estava tão certo do meu objetivo, mas estava decidido a não deixar minha fama de chorão sair do âmbito famíliar para os bancos escolares. Fui interrompido de minha abstração quando vi algo bem ali na minha frente, com uma merendeira a tiracolo, de mão com sua mãe: uma menina. Depois vi outra, e outra e mais outra. É claro que não havia tantas meninas quanto meninos, mas o Colégio das Dores, em 1970, era a mais nova escola mista de Porto Alegre e ninguém tinha me avisado.
Adrentou à sala o Irmão-Professor e fiquei um pouco decepcionado pela ausência da batina (que era opcional) mas, bem recomendado, dei boa tarde ao Irmão Nédio e sentei--me à carteira na segunda fileira.. Naquela época a pedagogia era meio esquisita, e quem não tinha bloco, como eu, já levava uma mijada no primeiro dia. Ansioso para aprender a primeira letra e o primeiro algarismo, fiquei muito desapontado por ser forçado a fazer os exercícios pré-caligrafia; ou seja, desenhar ordenadamente sobre as linhas da folha cadei-rinhas, bolinhas, cruzinhas, etc. Fiz os exercícios de má vontade e fiquei vários dias indignado. Não fazia os temas-de-casa até o dia que fui ameaçado de castigo por isso.
Era como se fosse um pesadelo. Dias a fio desenhando formas geométricas sem sentido, perdendo tempo. O calor em março era escaldante e a turma era grande, quase cinqüenta alunos. Ficava pensando se a aula do Irmão Canísio, na sala ao lado do banheiro, seria mais proveitosa.
Aí aconteceu a primeira grande mudança: o Irmão-Diretor Hugo Rempel entrou na aula e leu o nome de alguns alunos que iriam para uma nova turma. O professor seria um tal Agenor (Basso) que, para espanto geral, era leigo (não era vocacionado). Nessa lista estava, além de mim, a garota da lancheira (Miriam), uma menina que fazia aniversário no mesmo dia que eu (Patrícia), e um guri que também tinha um irmão mais velho no colégio: o Carlinhos (Carlos Eduardo Fillipon Stein), atual Carlão - guitarrista do Nenhum de Nós.
Esse professor sim, conversou um pouco conosco fez a chamada e começou a folhar uma cartilha, onde via-se claramente sinais que deveriam ser "A E I O U". Além de tudo, a sala era no andar de cima, junto com os segundos anos!
O Prof. Agenor falou em voz alta: DITADO. Nunca haviam me dito que isso poderia acontecer. Apesar disso, as palavras eram fáceis e íamos muito bem. Daí a pouco foi lançado ao ar um verbete tipo "cortiça". Algo que nunca lera, não fazia idéia do que fosse, muito menos se era com Ç ou SS. Maldição ! Aí escorreguei o olho pro lado e vi que o Carlinhos escrevia com toda a segurança, incontinenti. Mas a olhadela serviu pra decifrar o Ç. Disfarçadamente, olhei para o professor, que olhava para o nada, possivelmente imaginando outra palavra desarmonizante: aí estava consumada a primeira cola da carreira escolar.
Meu primeiro ano transcorreu muito bem, sendo um excelente início para os dez anos que lá estudei, saindo diretamente para a Engenharia Química da PUCRS onde formei a banda com meus colegas dorenses Carlão e Thedy, que conheci na quarta série, além do Dante Longo, nosso produtor que entrou na 6ª série; do Veco, que nunca era visto sem seu violão no 1º científico e do João Vicenti, que joga bola comigo na Associação de Ex-alunos do LaSalle Dores.

publicado num Dores Informa do século passado



(Turma do 1º ano - 1970)

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