15 de fevereiro de 2012

Emocionei-me ao descobrir o BLOG e, nele, ler o depoimento do LONTRA sobre os primórdios da Banda Marcial Dorense.Li manifestações sobre o saudoso Pimentel, saudação do Mor Fulvio e outros nomes que fizeram minha memória se avivar com saudade.Ingressei na Banda em 1962 e nela fiquei até 1966 (sim, participei da abertura da Universíade, outro momento glorioso!), quando fui estudar no exterior. Antes de nela ingressar, estudava nas Dores mas era muito pequeno para ser admitido pelo Irmão Tito, mas não perdia um ensaio ou desfile, pelo que, de 1959 a 1962, acompanhei de perto aquele início fantástico. Depois, comecei no pífaro, passei para o trombone (com o grande Bonfiglio), tuba e, por fim, o bumbo.Lendo o depoimento do Lontra, que bem lembrou a ajuda da Banda dos Fuzileiros Navais na formação da nossa, ocorreu-me enviar este vídeo do YOUTUBE, que retrata uma recente apresentação em 2011 num festival internacional realizado na Escócia.Os que lembram verão, ali, a evolução da “nossa” âncora.Saudações a todos

Geraldo Bemfica Teixeira


BANDA MARCIAL, VIAGEM A QUARAÍ.

A partir do sucesso enorme da apresentação da Banda no desfile da Mocidade, começaram a surgir convites de diversas cidades do Estado. De duas viagens eu participei : Quaraí e Livramento. Mas antes de entrar no item “viagens”, falo sobre a inauguração do Estádio Cristo Rei em São Leopoldo, sede do Esporte Clube Aimoré. Fomos convidados para sermos o ponto alto das comemorações do aniversário do clube e da inauguração do novo estádio. Fomos de ônibus e, se bem me lembro, fazia um calor de rachar, alguma coisa em torno dos 37 graus. Chegamos ao local do evento, onde fomos saudados por uma multidão entusiasmada com a presença de uma Banda Marcial que já era sucesso por onde passava. Fizemos a nossa formação habitual e, em fila, entramos pela frente do estádio, chegando ao campo de jogo, onde refizemos as alas, sempre em silêncio, como era a nossa marca registrada. O povo que lotava as sociais e arquibancadas do estádio, viu aquela rapaziada entrar e colocar-se em posição, sem nenhum grito, nenhuma ordem manifestada. Tudo em rigoroso silêncio. A Banda da Brigada Militar tocou o Hino Nacional, cantado por todos os presentes, menos o nosso pessoal que, perfilados, ouviram o Hino ainda em silêncio. E começaram os discursos de saudação ao evento... Debaixo daquele sol forte, sem uma sombrinha para refrescar, apenas o quepi ajudava a proteger a cabeça. O resto, bufava. Lá pelas tantas, depois de sei lá quanto tempo (uma eternidade!) começaram a desabar alguns componentes, abatidos pela insolação, inclusive este que vos fala. Como n° 1 da ala dos bumbos, não resisti e cai estatelado. Imediatamente fui levado, junto com outros companheiros de “desabamento” para uma casa que ficava defronte ao estádio, onde uma família correu para nos trazer pano molhado, água gelada, abanador, para recuperar os abatidos pelo sol. Rapidamente nos recuperamos e voltamos para a formação. Graças a Deus que logo iniciou-se a apresentação da Banda que, como não poderia deixar de ser, arrancou aplausos e manifestações de espanto e admiração. Resta dizer que, enquanto eramos tratados da insolação, a formação não se desfez e os que ficaram continuaram o “show” de disciplina e responsabilidade.
A seguir voltamos para Porto Alegre e nos preparamos para os outros convites que apareceram : Quaraí e Livramento. Foram duas viagens de trem, demoradas, mas alegres. Imaginem a bagunça que foi. A chegada a Quaraí foi tarde da noite, quase de madrugada, mas mesmo assim, o povo estava acordado e lotando a estação. Chegamos cansados, loucos por uma cama. Fomos levados de ônibus até o quartel de um regimento de cavalaria (esqueci o número), onde o comandante nos deu as boas vindas, abriu o refeitório para um café com leite pelando e um sanduiche de queijo e mortadela. Fomos colocados no alojamento dos praças. No outro dia, de manhã, vestimos o fardamento e formamos as alas no pátio de manobras do quartel. Mais uma vez demos um espetáculo de alinhamento e disciplina. E, como sempre, em absoluto silêncio. Era de manhã cedo e tivemos que esperar até a hora do desfile, que aconteceria às 10 horas, penso eu. Pois bem : Ficamos perfilados e quietos até a hora do desfile, deixando a oficialidade do quartel embasbacada. A apresentação foi mais um enorme sucesso a ser colocado na conta da nossa competência . O povo de Quaraí veio em peso para as calçadas, assim como gente de outros localidades próximas, inclusive de Artigas, cidade uruguaia que vizinha com Quaraí . Lembro que o quartel ficava numa parte alta da cidade e à frente dele abria-se uma avenida que descia até o centro. Ao longo de toda a avenida, o público se aglomerava em frenesi, aplaudindo com grande entusiasmo, impressionado com a exibição da nossa Banda Marcial. Fomos alvo das atenções do Prefeito Municipal, vereadores, juiz, padre e outras autoridades locais, ficando acertado que, à noite, seria realizado um baile no qual seríamos a atração principal.
Depois da apresentação, voltamos ao quartel onde fomos liberados para perambular pela cidade, debaixo da firme recomendação do Irmão Tito para que nos comportássemos, porque estavamos representando o Colégio e a Capital do Estado. Ai daquele que saisse da linha !
Não houve necessidade do aviso do Ir. Tito; todo mundo se comportou maravilhosamente bem. Ao percorrerem as ruas da cidade, aconteceu um fenômeno que terminou por se repetir em outras cidades visitadas pela Banda : Moradores nas janelas das casas, pediam que entrassemos para uma visita, para um cafezinho, uma bebida refrescante, um pastelzinho, qualquer coisa. Aquilo significava muito para eles como anfitriões e não podiamos deixar de aceitar o convite. E ainda mais : Muitas vezes fomos atendidos em bares, lancherias, bolichos e os donos recusaram o pagamento oferecido. Houve casos de colegas que foram convidados a permanecer nas casas, para passar a noite, inclusive, com direito a um serviço de primeira. Foram autorizados, debaixo de mil recomendações.
À noite, o baile. Aí aconteceu um fato que foi o ponto alto da viagem. O Irmão Tito usava batina e o “papo” branco, marca registrada da Ordem Lassalista e não poderia, evidentemente, frequentar um salão de clube, paramentado com sua roupa habitual. E também não poderia ficar de fora, porque era o “chefe” da Banca ! A solução veio do pai do Claudio Brito, o conhecido “Delegado”, homem enorme, pescoço grosso, porte avantajado : Emprestou camisa, terno, gravata para o Irmão Tito, que media a metade do “Delegado”. Lembro que eu e mais alguns colegas estavamos no hall de entrada do clube, quando entra o “Delegado”, a esposa, o Claudio Brito e o Irmão Tito, à paisana, trajando uma roupa bem maior que ele, com um colarinho de palhaço, bem faceiro. Parecia criança com roupa do pai. Todo mundo caiu na gargalhada, porque o espetáculo era fantástico. Uma coisa de louco.
O baile foi um sucesso, fizemos uma apresentação de despedida no dia seguinte e, à noite ( se não me engano) voltamos para Porto Alegre, não sem antes agradecermos a atenção e o carinho do povo de Quaraí, em saudação feita na rádio local pelo Irmão Tito, se bem me lembro. Ao digno e atencioso comandante do Quartel de Cavalaria da cidade, entregamos uma flâmula da Banda com os nossos agradecimentos.
A viagem seguinte foi para Santana do Livramento.
Para esta viagem fazia-se necessário tomar algumas providências. Seria uma jornada demorada e a Banda possuia alguns integrantes com pouca idade para viajarem sozinhos; pelo que, incorporamos alguns pais e mães à comitiva, para atendimento aos mais jovens. Mas, seria uma viagem desconfortável para os acompanhantes, em vagões de passageiros sem acomodações razoáveis, com bancos de madeira, duros, sem conforto. Um grupo foi ao Palácio Piratini solicitar ao então Governador Leonel Brizola, o empréstimo do vagão do Governador para que as famílias pudessem viajar com mais conforto. E bota conforto nisto ! O vagão era uma beleza : Madeira clara, com brasão do Rio Grande nas laterais, sofás e poltronas de couro, mesas auxiliares, quarto, banheiro, cozinha, tudo de primeira classe. Eu até gostaria de saber o que foi feito deste vagão, porque merecia estar num museu.
O Governador não titubeou, deu ordem imediata para que o vagão do Governo fosse atrelado ao final da composição que nos levaria a Livramento. E lá fomos nós, saindo à noite de Porto Alegre, cheios de entusiasmo. Os familiares de alguns integrantes foram para o vagão do Governador, junto com o Irmão Tito. Como nós, os mais velhos, éramos os fundadores da Banda, sentimo-nos no direito de também ir de “primeira classe”, o que foi um conforto. E lá fomos nós, parando em algumas estações intermediárias (lembro de Ramiz Galvão) até Santa Maria e de lá, descendo até Cacequi e finalmente Livramento. Mais uma vez, uma chegada apoteótica, lá pelas tantas da madrugada, com um povaréu enorme à espera da Banda. Dalí fomos levados em carreata até os locais onde nos instalaríamos. Os mais velhos ( e não tão velhos assim!) ficaram no Hotel Internacional. O Fernando Goes, pistonista, foi prá casa : A família morava em Livramento, numa linda mansão de esquina. Com ele, creio, foram alguns integrantes. Dormimos o que deu, naquela noite e, no dia seguinte tivemos a primeira apresentação tendo como palco a avenid principal da cidade, que desemboca na Praça Internacional, linha divisória entre Livramento e Rivera. As mais altas personalidades locais e até uruguaias, ficaram num palanque, quase na Praça. Saímos em rígida formação e ao sinal do Mór, Paulo Lippmann, iniciamos a apresentação. O Jornal “A Plateia” de Livramento deu manchete no outro dia, “Apresentação de gala da Banda Marcial do Colégio das Dores”, ou algo parecido, e os jornalistas se derramaram em elogios à qualidade do espetáculo que proporcionamos ao público da região. Terminada a apresentação, fomos deixados à vontade para passear pela cidade, conhecer o povo e, especialmente, o outro lado, a cidade de Rivera, no Uruguai. Repetiu-se o que havia acontecido em Quaraí, com todo mundo disputando a preferência dos integrantes da Banda, em lojas, lancherias, etc..E igualmente dispensados do pagamento da conta, em muitos casos. Um fato interessante : Um cassino localizado perto da Praça Internacional, no lado uruguaio, com um apresentador (dono?) chamado de “Negro Brasil” que convidou a alguns integrantes para conhecer o cassino. Alguns foram e tiveram uma recepção digna de celebridades. Atravessamos a fronteira entre os dois países e nos tocamos para Rivera, em busca de lojas e boa bebida para uma sede tamanho gigante. Recordo que foi a minha primeira experiência com a famosa cerveja “Norteña”. E não foi a última...Também entre os uruguaios a recepção foi calorosa e idêntica a do lado brasileiro, com todo mundo querendo presentear a todos nós.
A presença da Banda em Livramento e a repercussão da apresentação na avenida, fez com que o Alcalde da cidade de Rivera (o Prefeito) fosse até a direção da Banda e pedisse uma apresentação à noite, no Estádio da cidade; o antigo e não este moderno que existe hoje. Como se tratava de um pedido formulado por autoridade do país vizinho, aceitamos com prazer e o Prefeito de lá nos garantiu a presença maciça de todos os riverenses e gente de outras cidades ao redor. À noite, ao chegarmos ao estádio, já uma multidão se aglomerava nas imediações, dificultando a chegada dos nossos ônibus. Foi uma tremenda mão-de-obra para chegar e entrar, porque a multidão queria nos abraçar, tocar, apertar as mãos, um troço nunca visto. Depois de muito esforço conseguimos entrar, formar e mostrar o nosso jogo. Eu me recordo que era uma noite quente e os refletores do estádio – localizados nos quatro cantos – estavam cheios de insetos, milhões deles e nós ficamos preocupados com a possibilidade daquela “turma” vir para cima da gente. Mas tudo deu certo e a Banda Marcial das Dores mais uma vez cravou o seu nome no coração de mais uma cidade gaúcha. Tenho a certeza de que os mais antigos de Livramento ainda devem se lembrar com saudade da nossa apresentação.
Ao terminar este meu longo comentário, quero fazer menção a alguns colegas daqueles tempos, que muito contribuiram para o sucesso da criação e desenvolvimento da nossa Banda : Celso de Assis, João Dora, Francisco Marques (infelizmente falecido muito cedo), Astélio, os irmãos Gonçalves. Peço desculpas por não tê-los mencionado antes; a minha memória falha, `s vezes.

1 de fevereiro de 2012

BANDA MARCIAL, ANOS DE GLÓRIA

Lá pelo final dos anos 50 do século passado, a Banda Marcial do Colégio Gonzaga apresentou-se em Porto Alegre em razão da algum evento hoje esquecido. Poderia até ter sido a Parada da Mocidade, mas não posso afirmar. O certo é que ela se apresentou também, no pátio do Colégio Nossa Senhora das Dores (agora La Salle Dores) para uma embasbacada plateia de dorenses. Apresentação de luxo, diga-se de passagem, que deixou em todos a certeza de que um tipo novo de banda colegial havia chegado ao Rio Grande. Pelo que se sabia, nenhuma escola, na época, possuia algo semelhante. Música (dobrados), fardamento, formação, evoluções, tudo isto encantava e espantava os estudantes daqueles tempos.

Depois que a Banda Marcial do Gonzaga voltou para Pelotas, ficou na cabeça de alguns alunos do Colégio das Dores a convicção de que tinhamos de ter algo semelhante. Como um rastilho de pólvora, a ideia alastrou-se e um grupo de alunos resolveu arregaçar as mangas e partir para os finalmente. Com autorização da Direção do Colégio (acho que o Diretor era o Irmão Gabriel Justino, dito “Pinguim”), o então Irmão Tito recebeu a incumbência de coordenar a execução do projeto de uma banda marcial do Colégio. Ao redor dele, reuniu-se um grupo de alunos mais dispostos e entusiasmados : Luiz Fernando Pimentel, Paulo Lippmann, Jorge Alberto Pimentel, Bruno Ferreira, Gilberto Rego, Nelson Pegoraro, Manoel Pitrez, Camilo Pires, e alguns outros.
Primeira coisa a ser feita : Entrar em contato com o Colégio Gonzaga para saber como a Banda Marcial havia sido formada. De lá vieram as informações solicitadas, dentre elas, a mais importante de todas, eles tinham tido o concurso de um instrutor pertencente ao Corpo de Fuzileiros Navais, um sargento chamado Werneck (já esqueci seu nome completo) ! O Sargento Werneck havia criado a Banda do Gonzaga, ensaiado tudo, deixado a Banda em ponto de bala e voltado para o Rio de Janeiro.


Em nós, dorenses, ficou a primeira certeza absoluta : Tinhamos que trazer de volta ao Rio Grande, o tal de Sargento Werneck. Fomos até a Capitania dos Portos, quase no fim da Rua da Praia, conversar com o chefão, o Capitão dos Portos, que, aliás, nos recebeu muito bem, muito alegre, muito interessado, e que de imediato se prontificou a realizar as tratativas para “importar” o Sargento Werneck. Aqui faço um parênteses necessário e triste : Algum tempo depois, o mesmo Capitão comandava o navio oceanográfico “Canopus” e foi vítima de um crime praticado por um taifeiro enlouquecido, que o matou ( e outros mais ) com machadinha e até mesmo, ponta de mangueira. Lamentamos profundamente o episódio, porque o Capitão era um gentleman e de uma simpatia enorme; não merecia o que lhe aconteceu. E sem o interesse dele, não teria havido um Sargento Werneck na Banda das Dores.

Mas, voltando ao assunto : Enquanto o Sargento não vinha, tratamos de realizar outras tarefas igualmente importantes : Arranjar dinheiro para comprar o material necessário. Naquela época, o método mais empregado, especialmente entre a gurizada, era o chamado “Livro de Ouro”, no qual as pessoas deixavam assinatura e grana. As contribuições vinham de pais, familiares em geral, ricos da região, alguns não tão ricos, comércio, indústria, profissionais, enfim, todo mundo que pudesse “morrer” com alguma grana. Felizmente, o engajamento de alunos, Irmãos, pais, moradores da região do Colégio, foi total e num entusiasmo poucas vezes visto. Os “Livros de Ouro” voaram pelos quatro cantos da cidade e as contribuições começaram a aparecer.

Começaram então, as encomendas de uniformes, com a escolha das cores da calça, do casado (o “dolmã”), gravata, camisa e quepi. As roupas foram confeccionadas na empresa Kalil Sehbe, de Caxias do Sul. O quepi e o cinturão, na Casa dos Militares. Até mesmo as polainas brancas foram confeciconadas pelas mães dos alunos, segundo um modelo recomendado pelo pessoal do Colégio Gonzaga. Foi uma corrida contra o tempo, porque queriamos participar da Parada da Mocidade naquele ano que, se não estou enganado, era 1959. Neste meio tempo apareceu o famoso Sargento Werneck, uma figuraça, tocador de gaita escocesa, instrutor da Banda dos Fuzileiros Navais. É bom destacar que os Fuzileiros Navais do Brasil faziam grande sucesso com a sua “Banda de Música”, que se diferenciava da “Marcial” pelo tamanho, tipos de instrumentos que usava, repertório, etc.. Era mais do tipo das bandas militares atualmente em atividade por aqui. E vivia nas paradas de sucesso, com músicas populares brasileiras ou estrangeiras.

O Sargento veio, com bagagem completa (inclusive a gaita escocesa) e enorme disposição para criar a nova Banda Marcial do Colégio das Dores. Lembro que ficou hospedado em um quarto de frente para a Riachuelo, no último andar do prédio. Foi lá que ele nos deu as primeiras noções sobre uma banda marcial : Num papel almaço grande, desenhou a disposição dos integrantes e respectivos instrumentos. Para todos nós, um assombro: Uma frente de 6 bumbos, logo após os tarois, as caixas, surdos, pífaros, pistões, trombones, cornetas e tubas pequenas . Era uma coisa de loucos, até porque, diante do número de interessados em integrar a Banda, já se previa 30 filas, o que daria um total de 180 integrantes ! Era gente que não acabava mais e urgia colocar tudo num conjunto harmonioso, disciplinado, responsável. Lembrem-se de que eramos alunos de 15 a 20 anos no máximo, e enquadrar este “bando” não era tarefa das mais fáceis.
Diante disto, durante os fins de semana, feriados e horário de fim de tarde, cada grupo de integrantes era levado para as salas de aula do Colégio, onde aprendiam os rudimentos da arte da música marcial. Antes de assoprar alguma coisa ou bater em algum couro, tivemos aula de música, cadência, harmonia, etc..


De repente, chegaram os instrumentos cuja feitura coube aos Irmãos Valcareggi Ltda., seus descendentes estudavam no Colégio e eram integrantes (uns dois deles) da futura Banda. Instrumentos muito bem feitos, brilhando com seus metais recém lustrados, seus couros cheirando a gado, uma beleza. Os de sopro vieram em caixas de couro preto, coisa chique. E começou a seleção dos candidatos e a entrega do instrumento respectivo.
O primeiro ensaio, no pátio do Colégio foi com uma música tradícional francesa, muito divulgada na I Guerra Mundial, chamada “Au Près de Ma Blonde”. Não me lembro do segundo item do repertório, mas sim do 3° que também era um clássico : St. Cyr, o hino da Academia Militar da França. Na primeira vez, algumas desafinações, algumas notas foram de compasso, mas aos poucos fomos nos acertando, encaixando a harmonia, a coisa começou a fluir direitinho. Era de espantar o fato de que gurís sem nenhum estudo de música – exceto pelas aulas de Canto Orfeônico, muito limitadas – começassem a tocar canções tradicionais, famosas, e com uma sonoridade impecável.


Havia em todos os integrantes, uma enorme consciência quanto à responsabilidade e a seriedade que a Banda requeria.

No meio tempo, tivemos que desenhar o nome da Banda e seu logotipo no couro dos bumbos e coube ao autor destas letras, desenhar tudo em papelão grosso, depois recortar com tesoura (haja dedo!) para fazer o molde dos dois lados do bumbo. Depois foi só pintar e pronto ! Lá estava o nome e a estrela de uma banda que prometia surpreender.

Sabìamos que o Colégio Rosário e o Julio de Castilhos viriam com alguma coisa híbrida, misto de banda militar e banda de baile, com enormes tubas e bombardinos no fim das filas. Da nossa parte, pedimos a todos os integrantes, o máximo de sigilo quanto ao que apresentaríamos na Parada da Mocidade daquele ano. Nem mesmo podíamos falar sobre o formato da Banda, uniforme, dobrados e evoluções. Segredo absoluto. E assim foi. Ninguém quebrou o segredo.
Enquanto isto, as mães, tias e avós faziam ajustes nas roupas recebidas pelos componentes, embora tenham informado ao fabricante, o número que vestiam. Os uniformes vieram em meia-confecção e todos tiveram que dar uma acertada. No final, tudo em ordem. Cada um levou o seu uniforme para casa, guardou no armário debaixo de chave, para que nada prejudicasse a operação “Banda Marcial”. Os ensaios eram com portões fechados e ninguém podia entrar, que não fosse um lassalista ou integrante da Banda.


As evoluções começaram também no papel, com especial destaque para a famosa “Âncora” dos Fuzileiros Navais e o cruzamento das alas ao dobrar uma esquina (uma tremenda arma secreta que iríamos executar ao entrar na Avenida Borges) . Muita confusão no início e logo as alas começaram a fluir normalmente, como se aquilo fosse comum, feito todos os dias. O desejo de aprender, o interesse pela coisa e um alto senso de responsabilidade fizeram as evoluções ficar assunto resolvido, negócio fácil.
E pronto ! A Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora das Dores estava pronta para a primeira apresentação. Até o dia glorioso, o nervosismo tomou conta do pessoal, quase não deixando ninguém dormir à noite. A Parada seria no domingo de manhã e o trajeto da Banda seria : Saída da Rua Riachuelo, Rua Bento Martins até a Demétrio Ribeiro, dobrando à esquerda em direção à Borges, na altura do Cinema Capitólio. Daí, entrando na Avenida, subindo por ela até as Lojas Guaspari, na esquina da José Montauri. Estava tudo devidamente esquematizado, inclusive com um detalhe : A marcha em direção ao desfile seria em silêncio, apenas com a cadência do bumbo, até chegarmos à Avenida, quando entraríamos com o dobrado nº 1, que citei antes.


De sábado para domingo, ninguém dormiu direito, volto a dizer. De manhã cedo, chispando para o Colégio, “a paisana”, com o uniforme devidamente ensacado ou embrulhado em papel pardo, para não revelar o mistério. Chegamos, fomos nos vestir, dar uma olhada nos instrumentos....e começou a chover !! Uma chuva fina, a princípio, para depois engrossar um pouquinho. Bateu o desespero da moçada : Logo agora que teríamos o nosso momento de glória ! Parecia sacanagem. A solução mais viável era correr para a capela do Colégio, para pedir a todos os santos do Céu que intercedessem junto a São Pedro para que a chuva parasse. Os Irmãos do Colégio já pediam que o desfile da Banda fosse suspenso, nós estavamos na fase de implorar para que tal não acontecesse. Uma loucura. Lá pelas tantas, decidimos que iriamos assim mesmo, com uma tremenda fé de que o sol apareceria. Saímos ordeiramente do pátio, subimos as escadarias até a saída e formamos na Rua Riachuelo. A todas estas, já tinha muita gente na calçada, vendo o pessoal se formar, vistosos em vermelho, azul e branco, instrumentos novíssimos. Formamos as alas em silêncio, o Sargento Werneck com seu belo uniforme de Fuzileiro Naval. Rígida formação, silêncio absoluto, apenas o burburinho dos espectadores na calçada. Até hoje a gente fica arrepiado de se lembrar daquele momento.

Não houve uma ordem gritada, um “Atenção!”, nada, apenas um gesto do Mór, o inesquecível Paulo Lippmann, o bumbo n° 1 deu a batida inicial, o taról do Jorge Alberto Pimentel respondeu e, numa cadência impecável, fomos para o desfile. Ouvia-se o toque do bumbo e do Pimentel, a batida de pés e mais nada. Algo inédito em Porto Alegre, acostumada com bandas ruidosas, charangas barulhentas, muitos gritos de comando. Por onde passavamos deixamos um rastro de emoção, palmas, gritos, lágrimas de pais, parentes. Estranhos. E nós alí, em marcha firme, olhando para a frente, instrumento em descanso, nem mesmo um sorriso para um espectador. Nada. E foi assim que chegamos na esquina do Cinema Capitólio com a Borges.
Começava alí a lenda da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora das Dores : A evolução para dobrar à esquerda, na esquina, e o primeiro dobrado irrompendo em marcha francesa, no meio da multidão embasbacada, espantada, com o queixo caído. A partir daí, só deu nós. O povo que se aglomerava nas calçadas, numa quantidade enorme, vibrava, gritava, assobiava, aplaudia, não sabia mais o que fazer para agradecer à uma exibição de gala. O Luiz Fernando Pimentel se lembra do choro de um ex-expedicionário, abraçando a ele Pimentel, agradecendo pelo “show” e pela execução da canção francesa que lhe lembrava a participação na 2ª Guerra Mundial. Foi nesta ocasião que Davi Nasser, famoso repórter da revista “O Cruzeiro” declarou que o que ele estava vendo era coisa para ser mostrada no resto do País. Os locutores que costumavam narrar a Parada da Mocidade, derramaram-se em elogios, gritando de entusiasmo, como diante de um fenômeno. Não resta dúvida de que tudo isto se justificava pela excelente apresentação da Banda Marcial das Dores, como passou a ser conhecida.


Os alunos dos outros colégios que já haviam desfilado antes, até mesmo os do Rosário e do Julinho, estavam nas calçadas e não acreditavam no que estavam vendo.
A partir daí, consolidada a fama merecida da Banda Marcial do Colégio, choveram convites de todos os pontos do Estado e até de outros estados. Foi quando aceitamos o convite para apresentação em Quaraí, no aniversário da cidade.
Mas isto eu deixo para outra ocasião.


Paulo Lontra