20 de agosto de 2019

Pedro Buzin e as Feiras de Ciências da década de 70

Sou o Pedro Buzin e já faz um tempo que acompanho as postagens do blog “Dores Anos 70”. Estudei na escola de 1965 a 1974 e tive como professores várias figuras lendárias, como o Emilião, o Fontoura, o Zely, o Lessa e muitos colegas que aqui já foram lembrados (Candal, Ripoll, Bertoncello, Bandeira...). Nesta postagem vou aproveitar para contar um pouco das históricas “feiras de ciências”, eventos que tiveram sua época nos anos setenta, no colégio Dores.
                       Lembrei deste assunto porque neste ano de 2019 se comemorou 50 anos do pouso da Apolo 11 na Lua. Isto parecia algo fantástico na ocasião. Este acontecimento junto com toda a propaganda do programa espacial da NASA mais filmes de ficção científica da época, como “2001 Uma Odisséia no Espaço” e séries televisivas  como “Thunderbirds” e “Perdidos no Espaço” mexiam com o imaginário da gurizada e criavam um clima futurístico. Também contribuiu para o momento, a propaganda institucional do governo (o Brasil é o país do futuro!) e o desenvolvimento da indústria no RS, sendo um dos marcos a inauguração da Borregaard, em l972, que se transformou num dos marcos da proteção ambiental. (vamos falar disto mais adiante, aguarde...)
                       Bem, a primeira Feira de Ciência de peso aconteceu em 1974. Na ocasião eu cursava o 1° ano do segundo grau e quem dava a disciplina de química era o prof. Fontoura, e no laboratório o prof. Stefani (falecido em janeiro deste ano). O Fontoura tinha um estilo próprio de dar aula, que posteriormente levou para o curso pré-vestibular que fundou, o Unificado (se pode ainda ver no you tube as “demonstrações” que ele fazia...). Na ocasião, incentivou os alunos a apresentarem “trabalhos” envolvendo a química.
                        Como eu conhecia bem a matéria, por causa das minhas experiências, o Nelson Siqueira (Tio Funério – foi o Rogério Pinheiro que “tascou” este apelido nele...) que estava precisando de nota em química e veio falar comigo. Daí surgiu a idéia de um trabalho sobre “mísseis e foguetes”, já que eu conhecia e pesquisava o assunto. Era um pouco ousado, para dizer o mínimo, mas de acordo com a temática espacial da época, daí fomos em frente....
                       No trabalho, onde esperavam só maquetes, apresentamos exemplos e amostras de combustíveis, diagramas de motores, etc (o prof. Fontoura ficou curioso em saber como obtemos certas “substâncias”...). Mas o ponto alto eram modelos simplificados funcionais do motor-foguete tipo “estato-jato” que originalmente funcionava no avião de testes X-15 (tem um vídeo no YouTube para vocês terem uma idéia) e do motor tipo “pulso jato”, que equipava a lendária bomba voadora alemã da segunda guerra, a V-1 (também tem no YouTube). Estes motores experimentais que construímos eram acionados à gás de cozinha e o suprimento de ar era proveniente de um secador de cabelos potente, convenientemente “emprestado” de uma mãe paciente.... Os modelos dos motores foram confeccionados com ajuda de um pai de um amigo que tinha uma boa oficina e ajudou com algumas soldas e alguns pedaços de canos e nos diagramas que fiz, baseados em livros (naquele tempo não tinha Google, tinha é que “ralar” na biblioteca...). O resto a gente montou com ferramentas emprestadas da oficina. Os motores eram simples, mas incrivelmente davam uma idéia de como funcionavam (fazíamos “demonstrações” periódicas para o público, para desespero do prof. Stefani  - Sim, não vetaram nossas “apresentações”, mas para não incentivar jovens a mexer com coisas perigosas (sic) não nos deram o primeiro lugar... (quem levou foi um prosaico trabalho de tratamento de água...). O prêmio era uma viagem a Brasília, para a Feira Nacional de Ciências, onde por ironia, tinha um trabalho sobre foguetes (o prof. Emilião também foi e nos trouxe uma foto de consolação...).
                  Na ocasião fizemos vários testes com foguetes experimentais no antigo terreno onde funcionou o presídio original de Porto Alegre, próximo da usina do gasômetro (antigamente era um local amplo, cheio dos restos do presídio demolido, sem ocupação e que margeava o Guaíba) e onde hoje se localiza a orla turística da cidade. Por ironia, atualmente existem no Brasil vários clubes e aficcionados na construção de foguetes experimentais e há muitos vídeos sobre o assunto no YouTube.
                  No ano seguinte me transferi de escola (fui para o Colégio Rosário por causa do terceirão...), para alívio temporário dos nervos do prof. Stefani. Entretanto, novamente o Nélson estava “encrencado” precisando de nota e falou comigo (a gente morava perto) e pediu uma “consultoria” sobre um trabalho a apresentar na feira de ciências daquele ano (1975). Era o segundo ano do secundário e tinha que ser bombástico (O Nélson gostava de aparecer, acho que para impressionar as gurias...!!!)
                  Como falei anteriormente, na ocasião já estava em operação a Borregaard. Esta indústria apresentava problemas de mau cheiro no ar e poluição das águas (na época eu gostava de pescar nos domingos de manhã no gasômetro, mas subitamente os peixes sumiram...). A questão da poluição estava bastante em voga no noticiário, iniciando-se o debate mais sério acerca das questões ambientais  e do impacto do funcionamento das indústrias na qualidade da água e do ar (a poluição da indústria coureiro calçadista também foi posta em evidência).
                  Daí sugeri a idéia de fazer um trabalho sobre modos de “combater” a poluição, já que ninguém tinha uma noção clara de como isto poderia funcionar. Trabalhando a idéia, verifiquei que o Nélson tinha em casa duas caixas de madeira (do tamanho de caixas de sapato) onde se encaixavam vidros no local onde seria a tampa. De cara pensei: “e se fizéssemos duas câmaras; em uma delas entrariam gases poluentes (SOx, CO2 e NOx) sem tratamento. Nesta primeira câmara ficaria uma cobaia (rato de laboratório).Após, os gases passariam por um tipo de filtro que inventei para a ocasião, com base em cal hidratada. Na sequência, os gases passariam pela segunda câmara, onde ficaria outra cobaia. Para contrabalançar os gases poluentes, havia injeção de oxigênio puro na primeira câmara. As caixas foram tornadas herméticas com várias camadas de verniz e para os gases, construí geradores para cada tipo de gás poluente (para encurtar, não entrarei em detalhes técnicos).
                 As cobaias foram obtidas por doação do biotério da UFRGS, através de um ofício do Irmão Marcos (Diretor do colégio na época). Conseguimos 30 ratas brancas de laboratório (um exagero, vai ver que tinham muitos ratos por lá e quiseram despachar...). Era uma cena, a gente vindo a pé da UFRGS pela rua, até a Riachuelo com uma gaiola cheia de ratos....Algumas pessoas curiosas perguntaram o que era aquilo....
                 Solucionados os problemas de logística e de acomodação dos ratos, a parte melhor era a apresentação do Nélson na feira de ciências. As câmaras e geradores de gases e demais acessórios foram posicionados em cima de duas mesas num local de destaque. O Nélson providenciou umas cortininhas que ocultavam convenientemente a instalação. Na hora da apresentação, ele aparecia de jaleco branco, fazendo uma preleção teatral contra os malefícios da poluição (devia ter ido para a carreira artística, pois tinha talento...). Em determinado momento, de forma teatral, o Nélson orientava um outro aluno ajudante  para descerrar as cortinas – nesta hora, se sentia no ar o suspense....(eu não participava pois “oficialmente” não estava mais no colégio. Estava somente na platéia...).
               Apareciam então as instalações e as cobaias posicionadas.  A um dado momento, o Nélson, de maneira dramática, dava início à “demonstração”, sinalizando ao ajudante para acionar os geradores de gases. A primeira cobaia sofria os impactos da poluição. Entretanto, ao passar pelo filtro antipoluição, os gases nocivos eram absorvidos e a segunda cobaia nada sofria (foi a mesma durante todo o tempo da feira). Na ocasião, foi um modo de demonstrar que era possível controlar gases poluidores com um tratamento adequado, às vezes bem simples. Apesar de impactante, o trabalho não ganhou o prêmio da feira, a comissão julgadora resolveu premiar um trabalho mais “normal”, mais adequado a estudantes secundaristas....Ao final, sobraram ainda muitas cobaias e o que aconteceu com elas é outra história......
Nota: hoje em dia filtros à base de cal são usados para absorver gases ácidos, do tipo SO, NOx, HCl, etc. em muitas industriais, sendo um exemplo aqui no estado, a usina termoelétrica de Candiota. Instalações de controle de emissões gasosas são atualmente de uso corrente na indústria.
             No último ano do segundo grau (1976) o Nélson também apresentou um trabalho na feira de ciências, desta vez de Biologia (não participei desta vez, o prof. Stefani estava de olho....). O Nélson apresentou um trabalho sobre os malefícios do tabagismo (Naquele tempo ele era o maior fumante....). Conseguiu exemplares de pulmões humanos, um sadio e outro de fumante no IML e fazia suas apresentações de jaleco branco, apontando as diferenças em cada órgão e a relação do fumo com o risco de câncer. A expectativa do Nélson era ganhar o prêmio mas,  também desta vez, não ganhou. Assim se fechou nosso ciclo das feiras de ciências no segundo grau.
            Para finalizar, posso dizer que o tempo passado no Colégio Nossa Senhora das Dores foi uma época maravilhosa, onde apesar de tecnicamente existir uma “ditadura” governando o país, se podia fazer muita coisa, como por exemplo adquirir produtos químicos para os experimentos. Se esperava somente a responsabilidade do seu uso. Recebíamos na escola uma educação baseada na honestidade e na verdade. Assim a responsabilidade e avaliação dos riscos de nossas ações seguiu sendo decorrente disto.  Hoje em dia, muitos produtos químicos podem ser usados para fazer drogas, por isto são controlados devido ao possível mau uso e em virtude disto o ensino e o surgimento de novos talentos empobrece. As feiras de ciências servem, dentre outras coisas, para isto: para aprender a resolver problemas botando a “mão na massa” e promover a criatividade e o trabalho de equipe (por enquanto, isto o robô não faz...). Hoje em dia, quando existem, na maior parte ficam somente na área da robótica ou do “aplicativo”, porque é mais seguro, sendo uma das honrosas exceções, a MOSTRATEC,  promovida pela Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Viera da Cunha, de Novo Hamburgo.
              Como era de se esperar, terminei cursando Engenharia Química na UFRGS. Apesar de todos os problemas que o Brasil passou (e está ainda passando), a educação e os exemplos que recebi sempre foram um norte. Agradeço este legado aos nossos velhos mestres e a nossos pais, pois esta foi a melhor herança. Ao longo dos anos inventei várias coisas e hoje trabalho pesquisando e montando soluções técnicas principalmente na área de resíduos industriais, meio ambiente e recuperação de metais. Se Deus permitir e a saúde deixar, pretendo não parar tão cedo, pois ainda há muita coisa a ser feita!
              E, apesar de tudo, ainda acredito que o Brasil possa vir a ser o país do futuro!
               Um abraço a todos os Dorenses!