15 de fevereiro de 2012

BANDA MARCIAL, VIAGEM A QUARAÍ.

A partir do sucesso enorme da apresentação da Banda no desfile da Mocidade, começaram a surgir convites de diversas cidades do Estado. De duas viagens eu participei : Quaraí e Livramento. Mas antes de entrar no item “viagens”, falo sobre a inauguração do Estádio Cristo Rei em São Leopoldo, sede do Esporte Clube Aimoré. Fomos convidados para sermos o ponto alto das comemorações do aniversário do clube e da inauguração do novo estádio. Fomos de ônibus e, se bem me lembro, fazia um calor de rachar, alguma coisa em torno dos 37 graus. Chegamos ao local do evento, onde fomos saudados por uma multidão entusiasmada com a presença de uma Banda Marcial que já era sucesso por onde passava. Fizemos a nossa formação habitual e, em fila, entramos pela frente do estádio, chegando ao campo de jogo, onde refizemos as alas, sempre em silêncio, como era a nossa marca registrada. O povo que lotava as sociais e arquibancadas do estádio, viu aquela rapaziada entrar e colocar-se em posição, sem nenhum grito, nenhuma ordem manifestada. Tudo em rigoroso silêncio. A Banda da Brigada Militar tocou o Hino Nacional, cantado por todos os presentes, menos o nosso pessoal que, perfilados, ouviram o Hino ainda em silêncio. E começaram os discursos de saudação ao evento... Debaixo daquele sol forte, sem uma sombrinha para refrescar, apenas o quepi ajudava a proteger a cabeça. O resto, bufava. Lá pelas tantas, depois de sei lá quanto tempo (uma eternidade!) começaram a desabar alguns componentes, abatidos pela insolação, inclusive este que vos fala. Como n° 1 da ala dos bumbos, não resisti e cai estatelado. Imediatamente fui levado, junto com outros companheiros de “desabamento” para uma casa que ficava defronte ao estádio, onde uma família correu para nos trazer pano molhado, água gelada, abanador, para recuperar os abatidos pelo sol. Rapidamente nos recuperamos e voltamos para a formação. Graças a Deus que logo iniciou-se a apresentação da Banda que, como não poderia deixar de ser, arrancou aplausos e manifestações de espanto e admiração. Resta dizer que, enquanto eramos tratados da insolação, a formação não se desfez e os que ficaram continuaram o “show” de disciplina e responsabilidade.
A seguir voltamos para Porto Alegre e nos preparamos para os outros convites que apareceram : Quaraí e Livramento. Foram duas viagens de trem, demoradas, mas alegres. Imaginem a bagunça que foi. A chegada a Quaraí foi tarde da noite, quase de madrugada, mas mesmo assim, o povo estava acordado e lotando a estação. Chegamos cansados, loucos por uma cama. Fomos levados de ônibus até o quartel de um regimento de cavalaria (esqueci o número), onde o comandante nos deu as boas vindas, abriu o refeitório para um café com leite pelando e um sanduiche de queijo e mortadela. Fomos colocados no alojamento dos praças. No outro dia, de manhã, vestimos o fardamento e formamos as alas no pátio de manobras do quartel. Mais uma vez demos um espetáculo de alinhamento e disciplina. E, como sempre, em absoluto silêncio. Era de manhã cedo e tivemos que esperar até a hora do desfile, que aconteceria às 10 horas, penso eu. Pois bem : Ficamos perfilados e quietos até a hora do desfile, deixando a oficialidade do quartel embasbacada. A apresentação foi mais um enorme sucesso a ser colocado na conta da nossa competência . O povo de Quaraí veio em peso para as calçadas, assim como gente de outros localidades próximas, inclusive de Artigas, cidade uruguaia que vizinha com Quaraí . Lembro que o quartel ficava numa parte alta da cidade e à frente dele abria-se uma avenida que descia até o centro. Ao longo de toda a avenida, o público se aglomerava em frenesi, aplaudindo com grande entusiasmo, impressionado com a exibição da nossa Banda Marcial. Fomos alvo das atenções do Prefeito Municipal, vereadores, juiz, padre e outras autoridades locais, ficando acertado que, à noite, seria realizado um baile no qual seríamos a atração principal.
Depois da apresentação, voltamos ao quartel onde fomos liberados para perambular pela cidade, debaixo da firme recomendação do Irmão Tito para que nos comportássemos, porque estavamos representando o Colégio e a Capital do Estado. Ai daquele que saisse da linha !
Não houve necessidade do aviso do Ir. Tito; todo mundo se comportou maravilhosamente bem. Ao percorrerem as ruas da cidade, aconteceu um fenômeno que terminou por se repetir em outras cidades visitadas pela Banda : Moradores nas janelas das casas, pediam que entrassemos para uma visita, para um cafezinho, uma bebida refrescante, um pastelzinho, qualquer coisa. Aquilo significava muito para eles como anfitriões e não podiamos deixar de aceitar o convite. E ainda mais : Muitas vezes fomos atendidos em bares, lancherias, bolichos e os donos recusaram o pagamento oferecido. Houve casos de colegas que foram convidados a permanecer nas casas, para passar a noite, inclusive, com direito a um serviço de primeira. Foram autorizados, debaixo de mil recomendações.
À noite, o baile. Aí aconteceu um fato que foi o ponto alto da viagem. O Irmão Tito usava batina e o “papo” branco, marca registrada da Ordem Lassalista e não poderia, evidentemente, frequentar um salão de clube, paramentado com sua roupa habitual. E também não poderia ficar de fora, porque era o “chefe” da Banca ! A solução veio do pai do Claudio Brito, o conhecido “Delegado”, homem enorme, pescoço grosso, porte avantajado : Emprestou camisa, terno, gravata para o Irmão Tito, que media a metade do “Delegado”. Lembro que eu e mais alguns colegas estavamos no hall de entrada do clube, quando entra o “Delegado”, a esposa, o Claudio Brito e o Irmão Tito, à paisana, trajando uma roupa bem maior que ele, com um colarinho de palhaço, bem faceiro. Parecia criança com roupa do pai. Todo mundo caiu na gargalhada, porque o espetáculo era fantástico. Uma coisa de louco.
O baile foi um sucesso, fizemos uma apresentação de despedida no dia seguinte e, à noite ( se não me engano) voltamos para Porto Alegre, não sem antes agradecermos a atenção e o carinho do povo de Quaraí, em saudação feita na rádio local pelo Irmão Tito, se bem me lembro. Ao digno e atencioso comandante do Quartel de Cavalaria da cidade, entregamos uma flâmula da Banda com os nossos agradecimentos.
A viagem seguinte foi para Santana do Livramento.
Para esta viagem fazia-se necessário tomar algumas providências. Seria uma jornada demorada e a Banda possuia alguns integrantes com pouca idade para viajarem sozinhos; pelo que, incorporamos alguns pais e mães à comitiva, para atendimento aos mais jovens. Mas, seria uma viagem desconfortável para os acompanhantes, em vagões de passageiros sem acomodações razoáveis, com bancos de madeira, duros, sem conforto. Um grupo foi ao Palácio Piratini solicitar ao então Governador Leonel Brizola, o empréstimo do vagão do Governador para que as famílias pudessem viajar com mais conforto. E bota conforto nisto ! O vagão era uma beleza : Madeira clara, com brasão do Rio Grande nas laterais, sofás e poltronas de couro, mesas auxiliares, quarto, banheiro, cozinha, tudo de primeira classe. Eu até gostaria de saber o que foi feito deste vagão, porque merecia estar num museu.
O Governador não titubeou, deu ordem imediata para que o vagão do Governo fosse atrelado ao final da composição que nos levaria a Livramento. E lá fomos nós, saindo à noite de Porto Alegre, cheios de entusiasmo. Os familiares de alguns integrantes foram para o vagão do Governador, junto com o Irmão Tito. Como nós, os mais velhos, éramos os fundadores da Banda, sentimo-nos no direito de também ir de “primeira classe”, o que foi um conforto. E lá fomos nós, parando em algumas estações intermediárias (lembro de Ramiz Galvão) até Santa Maria e de lá, descendo até Cacequi e finalmente Livramento. Mais uma vez, uma chegada apoteótica, lá pelas tantas da madrugada, com um povaréu enorme à espera da Banda. Dalí fomos levados em carreata até os locais onde nos instalaríamos. Os mais velhos ( e não tão velhos assim!) ficaram no Hotel Internacional. O Fernando Goes, pistonista, foi prá casa : A família morava em Livramento, numa linda mansão de esquina. Com ele, creio, foram alguns integrantes. Dormimos o que deu, naquela noite e, no dia seguinte tivemos a primeira apresentação tendo como palco a avenid principal da cidade, que desemboca na Praça Internacional, linha divisória entre Livramento e Rivera. As mais altas personalidades locais e até uruguaias, ficaram num palanque, quase na Praça. Saímos em rígida formação e ao sinal do Mór, Paulo Lippmann, iniciamos a apresentação. O Jornal “A Plateia” de Livramento deu manchete no outro dia, “Apresentação de gala da Banda Marcial do Colégio das Dores”, ou algo parecido, e os jornalistas se derramaram em elogios à qualidade do espetáculo que proporcionamos ao público da região. Terminada a apresentação, fomos deixados à vontade para passear pela cidade, conhecer o povo e, especialmente, o outro lado, a cidade de Rivera, no Uruguai. Repetiu-se o que havia acontecido em Quaraí, com todo mundo disputando a preferência dos integrantes da Banda, em lojas, lancherias, etc..E igualmente dispensados do pagamento da conta, em muitos casos. Um fato interessante : Um cassino localizado perto da Praça Internacional, no lado uruguaio, com um apresentador (dono?) chamado de “Negro Brasil” que convidou a alguns integrantes para conhecer o cassino. Alguns foram e tiveram uma recepção digna de celebridades. Atravessamos a fronteira entre os dois países e nos tocamos para Rivera, em busca de lojas e boa bebida para uma sede tamanho gigante. Recordo que foi a minha primeira experiência com a famosa cerveja “Norteña”. E não foi a última...Também entre os uruguaios a recepção foi calorosa e idêntica a do lado brasileiro, com todo mundo querendo presentear a todos nós.
A presença da Banda em Livramento e a repercussão da apresentação na avenida, fez com que o Alcalde da cidade de Rivera (o Prefeito) fosse até a direção da Banda e pedisse uma apresentação à noite, no Estádio da cidade; o antigo e não este moderno que existe hoje. Como se tratava de um pedido formulado por autoridade do país vizinho, aceitamos com prazer e o Prefeito de lá nos garantiu a presença maciça de todos os riverenses e gente de outras cidades ao redor. À noite, ao chegarmos ao estádio, já uma multidão se aglomerava nas imediações, dificultando a chegada dos nossos ônibus. Foi uma tremenda mão-de-obra para chegar e entrar, porque a multidão queria nos abraçar, tocar, apertar as mãos, um troço nunca visto. Depois de muito esforço conseguimos entrar, formar e mostrar o nosso jogo. Eu me recordo que era uma noite quente e os refletores do estádio – localizados nos quatro cantos – estavam cheios de insetos, milhões deles e nós ficamos preocupados com a possibilidade daquela “turma” vir para cima da gente. Mas tudo deu certo e a Banda Marcial das Dores mais uma vez cravou o seu nome no coração de mais uma cidade gaúcha. Tenho a certeza de que os mais antigos de Livramento ainda devem se lembrar com saudade da nossa apresentação.
Ao terminar este meu longo comentário, quero fazer menção a alguns colegas daqueles tempos, que muito contribuiram para o sucesso da criação e desenvolvimento da nossa Banda : Celso de Assis, João Dora, Francisco Marques (infelizmente falecido muito cedo), Astélio, os irmãos Gonçalves. Peço desculpas por não tê-los mencionado antes; a minha memória falha, `s vezes.

2 comentários:

RafaelMoraes disse...

Sensacional este texto do Lontra que bem retrata o que representou a Banda das Dores para Porto Alegre e para nós ex-integrantes da Gloriosa e Inesquecível Banda Marcial das Dôres.
Valeu Lontra.

FRANCISCO FERNANDES NETO disse...

Sensacional, Lontra. Tenho 65 anos. Pedia pro meus pais, em 1967, para me matricularem no ginásio das Dores. Na verdade, eu queria, mesmo era tocar na Banda. A propósito, o Professor de cursinho, de Biologia, conhecido como Professor Lontra. É parente? Abraço. E parabéns !!Francisco Fernandes Neto.