1 de fevereiro de 2012

BANDA MARCIAL, ANOS DE GLÓRIA

Lá pelo final dos anos 50 do século passado, a Banda Marcial do Colégio Gonzaga apresentou-se em Porto Alegre em razão da algum evento hoje esquecido. Poderia até ter sido a Parada da Mocidade, mas não posso afirmar. O certo é que ela se apresentou também, no pátio do Colégio Nossa Senhora das Dores (agora La Salle Dores) para uma embasbacada plateia de dorenses. Apresentação de luxo, diga-se de passagem, que deixou em todos a certeza de que um tipo novo de banda colegial havia chegado ao Rio Grande. Pelo que se sabia, nenhuma escola, na época, possuia algo semelhante. Música (dobrados), fardamento, formação, evoluções, tudo isto encantava e espantava os estudantes daqueles tempos.

Depois que a Banda Marcial do Gonzaga voltou para Pelotas, ficou na cabeça de alguns alunos do Colégio das Dores a convicção de que tinhamos de ter algo semelhante. Como um rastilho de pólvora, a ideia alastrou-se e um grupo de alunos resolveu arregaçar as mangas e partir para os finalmente. Com autorização da Direção do Colégio (acho que o Diretor era o Irmão Gabriel Justino, dito “Pinguim”), o então Irmão Tito recebeu a incumbência de coordenar a execução do projeto de uma banda marcial do Colégio. Ao redor dele, reuniu-se um grupo de alunos mais dispostos e entusiasmados : Luiz Fernando Pimentel, Paulo Lippmann, Jorge Alberto Pimentel, Bruno Ferreira, Gilberto Rego, Nelson Pegoraro, Manoel Pitrez, Camilo Pires, e alguns outros.
Primeira coisa a ser feita : Entrar em contato com o Colégio Gonzaga para saber como a Banda Marcial havia sido formada. De lá vieram as informações solicitadas, dentre elas, a mais importante de todas, eles tinham tido o concurso de um instrutor pertencente ao Corpo de Fuzileiros Navais, um sargento chamado Werneck (já esqueci seu nome completo) ! O Sargento Werneck havia criado a Banda do Gonzaga, ensaiado tudo, deixado a Banda em ponto de bala e voltado para o Rio de Janeiro.


Em nós, dorenses, ficou a primeira certeza absoluta : Tinhamos que trazer de volta ao Rio Grande, o tal de Sargento Werneck. Fomos até a Capitania dos Portos, quase no fim da Rua da Praia, conversar com o chefão, o Capitão dos Portos, que, aliás, nos recebeu muito bem, muito alegre, muito interessado, e que de imediato se prontificou a realizar as tratativas para “importar” o Sargento Werneck. Aqui faço um parênteses necessário e triste : Algum tempo depois, o mesmo Capitão comandava o navio oceanográfico “Canopus” e foi vítima de um crime praticado por um taifeiro enlouquecido, que o matou ( e outros mais ) com machadinha e até mesmo, ponta de mangueira. Lamentamos profundamente o episódio, porque o Capitão era um gentleman e de uma simpatia enorme; não merecia o que lhe aconteceu. E sem o interesse dele, não teria havido um Sargento Werneck na Banda das Dores.

Mas, voltando ao assunto : Enquanto o Sargento não vinha, tratamos de realizar outras tarefas igualmente importantes : Arranjar dinheiro para comprar o material necessário. Naquela época, o método mais empregado, especialmente entre a gurizada, era o chamado “Livro de Ouro”, no qual as pessoas deixavam assinatura e grana. As contribuições vinham de pais, familiares em geral, ricos da região, alguns não tão ricos, comércio, indústria, profissionais, enfim, todo mundo que pudesse “morrer” com alguma grana. Felizmente, o engajamento de alunos, Irmãos, pais, moradores da região do Colégio, foi total e num entusiasmo poucas vezes visto. Os “Livros de Ouro” voaram pelos quatro cantos da cidade e as contribuições começaram a aparecer.

Começaram então, as encomendas de uniformes, com a escolha das cores da calça, do casado (o “dolmã”), gravata, camisa e quepi. As roupas foram confeccionadas na empresa Kalil Sehbe, de Caxias do Sul. O quepi e o cinturão, na Casa dos Militares. Até mesmo as polainas brancas foram confeciconadas pelas mães dos alunos, segundo um modelo recomendado pelo pessoal do Colégio Gonzaga. Foi uma corrida contra o tempo, porque queriamos participar da Parada da Mocidade naquele ano que, se não estou enganado, era 1959. Neste meio tempo apareceu o famoso Sargento Werneck, uma figuraça, tocador de gaita escocesa, instrutor da Banda dos Fuzileiros Navais. É bom destacar que os Fuzileiros Navais do Brasil faziam grande sucesso com a sua “Banda de Música”, que se diferenciava da “Marcial” pelo tamanho, tipos de instrumentos que usava, repertório, etc.. Era mais do tipo das bandas militares atualmente em atividade por aqui. E vivia nas paradas de sucesso, com músicas populares brasileiras ou estrangeiras.

O Sargento veio, com bagagem completa (inclusive a gaita escocesa) e enorme disposição para criar a nova Banda Marcial do Colégio das Dores. Lembro que ficou hospedado em um quarto de frente para a Riachuelo, no último andar do prédio. Foi lá que ele nos deu as primeiras noções sobre uma banda marcial : Num papel almaço grande, desenhou a disposição dos integrantes e respectivos instrumentos. Para todos nós, um assombro: Uma frente de 6 bumbos, logo após os tarois, as caixas, surdos, pífaros, pistões, trombones, cornetas e tubas pequenas . Era uma coisa de loucos, até porque, diante do número de interessados em integrar a Banda, já se previa 30 filas, o que daria um total de 180 integrantes ! Era gente que não acabava mais e urgia colocar tudo num conjunto harmonioso, disciplinado, responsável. Lembrem-se de que eramos alunos de 15 a 20 anos no máximo, e enquadrar este “bando” não era tarefa das mais fáceis.
Diante disto, durante os fins de semana, feriados e horário de fim de tarde, cada grupo de integrantes era levado para as salas de aula do Colégio, onde aprendiam os rudimentos da arte da música marcial. Antes de assoprar alguma coisa ou bater em algum couro, tivemos aula de música, cadência, harmonia, etc..


De repente, chegaram os instrumentos cuja feitura coube aos Irmãos Valcareggi Ltda., seus descendentes estudavam no Colégio e eram integrantes (uns dois deles) da futura Banda. Instrumentos muito bem feitos, brilhando com seus metais recém lustrados, seus couros cheirando a gado, uma beleza. Os de sopro vieram em caixas de couro preto, coisa chique. E começou a seleção dos candidatos e a entrega do instrumento respectivo.
O primeiro ensaio, no pátio do Colégio foi com uma música tradícional francesa, muito divulgada na I Guerra Mundial, chamada “Au Près de Ma Blonde”. Não me lembro do segundo item do repertório, mas sim do 3° que também era um clássico : St. Cyr, o hino da Academia Militar da França. Na primeira vez, algumas desafinações, algumas notas foram de compasso, mas aos poucos fomos nos acertando, encaixando a harmonia, a coisa começou a fluir direitinho. Era de espantar o fato de que gurís sem nenhum estudo de música – exceto pelas aulas de Canto Orfeônico, muito limitadas – começassem a tocar canções tradicionais, famosas, e com uma sonoridade impecável.


Havia em todos os integrantes, uma enorme consciência quanto à responsabilidade e a seriedade que a Banda requeria.

No meio tempo, tivemos que desenhar o nome da Banda e seu logotipo no couro dos bumbos e coube ao autor destas letras, desenhar tudo em papelão grosso, depois recortar com tesoura (haja dedo!) para fazer o molde dos dois lados do bumbo. Depois foi só pintar e pronto ! Lá estava o nome e a estrela de uma banda que prometia surpreender.

Sabìamos que o Colégio Rosário e o Julio de Castilhos viriam com alguma coisa híbrida, misto de banda militar e banda de baile, com enormes tubas e bombardinos no fim das filas. Da nossa parte, pedimos a todos os integrantes, o máximo de sigilo quanto ao que apresentaríamos na Parada da Mocidade daquele ano. Nem mesmo podíamos falar sobre o formato da Banda, uniforme, dobrados e evoluções. Segredo absoluto. E assim foi. Ninguém quebrou o segredo.
Enquanto isto, as mães, tias e avós faziam ajustes nas roupas recebidas pelos componentes, embora tenham informado ao fabricante, o número que vestiam. Os uniformes vieram em meia-confecção e todos tiveram que dar uma acertada. No final, tudo em ordem. Cada um levou o seu uniforme para casa, guardou no armário debaixo de chave, para que nada prejudicasse a operação “Banda Marcial”. Os ensaios eram com portões fechados e ninguém podia entrar, que não fosse um lassalista ou integrante da Banda.


As evoluções começaram também no papel, com especial destaque para a famosa “Âncora” dos Fuzileiros Navais e o cruzamento das alas ao dobrar uma esquina (uma tremenda arma secreta que iríamos executar ao entrar na Avenida Borges) . Muita confusão no início e logo as alas começaram a fluir normalmente, como se aquilo fosse comum, feito todos os dias. O desejo de aprender, o interesse pela coisa e um alto senso de responsabilidade fizeram as evoluções ficar assunto resolvido, negócio fácil.
E pronto ! A Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora das Dores estava pronta para a primeira apresentação. Até o dia glorioso, o nervosismo tomou conta do pessoal, quase não deixando ninguém dormir à noite. A Parada seria no domingo de manhã e o trajeto da Banda seria : Saída da Rua Riachuelo, Rua Bento Martins até a Demétrio Ribeiro, dobrando à esquerda em direção à Borges, na altura do Cinema Capitólio. Daí, entrando na Avenida, subindo por ela até as Lojas Guaspari, na esquina da José Montauri. Estava tudo devidamente esquematizado, inclusive com um detalhe : A marcha em direção ao desfile seria em silêncio, apenas com a cadência do bumbo, até chegarmos à Avenida, quando entraríamos com o dobrado nº 1, que citei antes.


De sábado para domingo, ninguém dormiu direito, volto a dizer. De manhã cedo, chispando para o Colégio, “a paisana”, com o uniforme devidamente ensacado ou embrulhado em papel pardo, para não revelar o mistério. Chegamos, fomos nos vestir, dar uma olhada nos instrumentos....e começou a chover !! Uma chuva fina, a princípio, para depois engrossar um pouquinho. Bateu o desespero da moçada : Logo agora que teríamos o nosso momento de glória ! Parecia sacanagem. A solução mais viável era correr para a capela do Colégio, para pedir a todos os santos do Céu que intercedessem junto a São Pedro para que a chuva parasse. Os Irmãos do Colégio já pediam que o desfile da Banda fosse suspenso, nós estavamos na fase de implorar para que tal não acontecesse. Uma loucura. Lá pelas tantas, decidimos que iriamos assim mesmo, com uma tremenda fé de que o sol apareceria. Saímos ordeiramente do pátio, subimos as escadarias até a saída e formamos na Rua Riachuelo. A todas estas, já tinha muita gente na calçada, vendo o pessoal se formar, vistosos em vermelho, azul e branco, instrumentos novíssimos. Formamos as alas em silêncio, o Sargento Werneck com seu belo uniforme de Fuzileiro Naval. Rígida formação, silêncio absoluto, apenas o burburinho dos espectadores na calçada. Até hoje a gente fica arrepiado de se lembrar daquele momento.

Não houve uma ordem gritada, um “Atenção!”, nada, apenas um gesto do Mór, o inesquecível Paulo Lippmann, o bumbo n° 1 deu a batida inicial, o taról do Jorge Alberto Pimentel respondeu e, numa cadência impecável, fomos para o desfile. Ouvia-se o toque do bumbo e do Pimentel, a batida de pés e mais nada. Algo inédito em Porto Alegre, acostumada com bandas ruidosas, charangas barulhentas, muitos gritos de comando. Por onde passavamos deixamos um rastro de emoção, palmas, gritos, lágrimas de pais, parentes. Estranhos. E nós alí, em marcha firme, olhando para a frente, instrumento em descanso, nem mesmo um sorriso para um espectador. Nada. E foi assim que chegamos na esquina do Cinema Capitólio com a Borges.
Começava alí a lenda da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora das Dores : A evolução para dobrar à esquerda, na esquina, e o primeiro dobrado irrompendo em marcha francesa, no meio da multidão embasbacada, espantada, com o queixo caído. A partir daí, só deu nós. O povo que se aglomerava nas calçadas, numa quantidade enorme, vibrava, gritava, assobiava, aplaudia, não sabia mais o que fazer para agradecer à uma exibição de gala. O Luiz Fernando Pimentel se lembra do choro de um ex-expedicionário, abraçando a ele Pimentel, agradecendo pelo “show” e pela execução da canção francesa que lhe lembrava a participação na 2ª Guerra Mundial. Foi nesta ocasião que Davi Nasser, famoso repórter da revista “O Cruzeiro” declarou que o que ele estava vendo era coisa para ser mostrada no resto do País. Os locutores que costumavam narrar a Parada da Mocidade, derramaram-se em elogios, gritando de entusiasmo, como diante de um fenômeno. Não resta dúvida de que tudo isto se justificava pela excelente apresentação da Banda Marcial das Dores, como passou a ser conhecida.


Os alunos dos outros colégios que já haviam desfilado antes, até mesmo os do Rosário e do Julinho, estavam nas calçadas e não acreditavam no que estavam vendo.
A partir daí, consolidada a fama merecida da Banda Marcial do Colégio, choveram convites de todos os pontos do Estado e até de outros estados. Foi quando aceitamos o convite para apresentação em Quaraí, no aniversário da cidade.
Mas isto eu deixo para outra ocasião.


Paulo Lontra

5 comentários:

Anônimo disse...

Grande Lontra e suas memórias! Toquei na Banda de 62 a 66 (trombone e, ao final, bumbo). Em homenagem aos Fuzileiros Navais, sugiro o vídeo de youtube http://www.youtube.com/embed/dJCeseZt6Kc
Geraldo Bemfica Teixeira

Ivan Lima disse...

Salve! Alguem ainda por ai neste blogw

nedelande disse...

Excelente lembrança. Toquei bumbo na Banda Marcial do Gonzaga no seu primeiro ano, 1968. Estivemos tocando no Colégio das Dores. A vinda a Porto Alegre teve vários momentos. Participamos da inauguração da estátua do Laçador. Participamos de um comício do Brizola que estava deixando a Prefeitura de Porto Alegre e concorrendo a governador. Nos divertimos muito na capital. Lembro que ficamos nos quartéis do Ecército e da Brigada no alto da Rua da Praia

José Mendonça disse...

Fez eu me recordar da emoção que senti... e vir lágrima aos olhos. Emoção sem tamanho nos aplausos quando saímos de debaixo do viaduto e os pifaros terminaram sua parte da apresentação...

Unknown disse...

Talvez corrigir o ano da banda do Gonzaga para 1958 onde aprendi pífaro com o sg Werneck; em 1959 vim para as Dores com o mesmo instrumento do qual fui substituto do chefe Parizi até 1964 quando completei o científico.
Ainda no Gonzaga participamos de um concurso de bandas realizado no Olímpico (na azenha).
Acredito que o sg Werneck ainda participou da formação das bandas do são João e do Carmo de Caxias.